por Marlon Marques.
É notória a sensibilização e comoção causada por Susan Boyle. Susan representa mesmo sem ter vencido o concurso de calouros do programa Britain´s Got Talent, a desforra de milhares de malfeitos, desajeitados, borra-botas e desprovidos de beleza, por eras vivendo nos becos da vida se escondendo do que são. Susan é tudo isso e mais um pouco, e esse mais um pouco é o talento que ela tem para cantar. Pela experiência que nós do Brasil temos com concursos de talentos, sabemos que muitos do que vão a esses concursos são maus cantores, e por essa premissa, muitas vezes julgamos o disco pela capa. Quem de nós “hipócritas”, também não julgaria Susan como fizeram os jurados do programa? Quem não diria ser ela mais uma bizarra a passar vergonha diante na tevê – onde nos lares muitos [ou todos] ririam dela como mais uma atração caricata? Porém, com Susan aprendemos pelo menos duas lições: a de que não devemos julgar antes de conhecer – embora continuemos – e a outra é que só um belo rosto ou corpo [ou ambos] não faz um grande artista. No ano passado (2008) aconteceu uma polêmica nos jogos olímpicos de Pequim (China). A música tema dos jogos era interpretada por uma menina gordinha – considerada feia, entretanto, a direção do evento resolveu contratar uma menina considerada bonita para dublar a canção na cerimônia. Isso correto eticamente falando? Não vamos aqui entrar nesses méritos, mas é com certeza um desserviço a boa música, uma vez que o público foi privado de ver a canção ser interpretada ao vivo, em contato com o puro talento. Boyle de certa forma glorifica a menina chinesa, que teve na atuação e na história de Susan sua redenção – como se a injustiça a ela cometida tenha sido se não suprimida, mas pelo menos rechaçada por todos aqueles de bom senso. A voz de Susan Boyle deixou boquiabertos o público presente, os jurados, a audiência e o país todo, além de milhares de pessoas mundo afora – principalmente no terceiro mundo. É aquela velha fórmula de se projetar no outro, e Susan cumpriu essa função, tornando-se naquelas noites, muitos que não ela apenas – representando os desvalidos, os ofendidos, os esquecidos. Sua voz foi à voz de todos eles, e não houve quem depois não torcesse por ela. Susan Boyle possui todas as características que em si já são suficientes para desfavorecê-la: é mulher, gorda, feia e velha – faltou apenas ser negra e homossexual para completar o espectro de uma maldição nefasta que o ocidente relega a esses há séculos. Somos filhos dos gregos e dos romanos [excetue aqui a questão homossexual], temos que ser perfeitamente platônicos, corpos esbeltos como Adônis, ou rostos lindos como os de Afrodite ou Vênus. A nossa tradição não nos perdoa por sermos assim, feios, desajustados, comuns – temos que parecer, não ser, isso é o que importa. Susan pode ser colocada no mesmo lugar que Jesse Owens quando venceu nas olimpíadas de Berlin em 1936 na presença de Hitler. Como um negro pode triunfar ante aos arianos – como Susan, o patinho feio, pode brilhar ante a beleza vã dos jurados, platéia e demais concorrentes? Foi uma ousadia! Foi como Prometeu ao dar aos homens o fogo dos deuses, foi um feito notável. Agora quanto ao talento dela, isso é visível. Não é apenas a identificação com os humilhados, ou as questões éticas – Susan Boyle possui talento nato, é uma cantora e tanto, uma voz potente e acalentadora. E não havia nada mais apropriado para que Susan cantasse do que “I Dreamed a Dream (Eu sonhei um sonho)” do musical Les Misérables (Os Miseráveis de Victor Hugo). A canção além de linda é um tanto dúbia, pois ao mesmo tempo que traz esperança aos corações aflitos [como o da própria Susan], carrega em si o desfecho final dessa ousadia. “Eu tive um sonho que minha vida seria tão diferente deste inferno que estou vivendo” – um sonho sonhado e vivido, é praticamente o mesmo sonho de Barack Obama, do povo iraquiano, palestino, afegão, haitiano, brasileiro, tibetano, somali, sudanês, americano – um sonho onde o amor e a fé andam juntos e cada um cumpre seu papel. Um sonho fraterno, onde os homens caminham juntos e sentam-se a mesma mesa, mas será isso possível? A mesma canção trata-nos de dizer que não: “agora a vida matou o sonho que sonhei”. Sim Susan Boyle você perdeu o concurso! Você sonhou mas acordou com dores, as dores da desesperança. Depois de tudo que passou, de toda humilhação, é como se o sapatinho de cristal no coubesse no pé de Cinderela quando o príncipe foi a sua procura, é como se Andy Dusfrene
Nossa, Marlon!
Gostei muito do que você disse em relação à Susan e esses preconceitos que cercam o mundo ocidental.
Ainda choro de emoção quando assisto ao vídeo da primeira aparição dessa senhora, porque é de emocionar mesmo.
Triste é saber que muitos reprovam por simplesmente passar o olho sobre o elemento que se apresenta diante de si, mas não procuram examinar o que ele pode lhe oferecer.
Textos como o seu nos trazem a reflexão de que podemos nos tornar pessoas menos ruins ou, se preferir, pessoas melhores, se dermos chance a nós mesmos para receber o que é novo.