Certa vez um aluno me perguntou qual das respostas estava certa. Eu de pronto retruquei: qual é a pergunta? A conclusão que se tira disso é que sem se entender a pergunta não se chega na resposta. Eu já disse há muito tempo atrás que o grande problema da humanidade é a comunicação. Gente que não sabe falar e gente que não sabe ouvir. Gente que não sabe perguntar e gente que não sabe responder. A linguagem é muito escorregadia e é necessário se ter cuidado. Essa frase poderia ser de Wittgenstein caso não fosse tão óbvia e simples. Embora não seja, não deixa de expressar uma verdade. Sem entender a linguagem e o conjunto de sentidos, nada pode ser compreendido plenamente. Não que devamos compreender as coisas plenamente, mas... Bom, comecemos então com uma consideração sobre o sentido das palavras.
O termo “Metafísica” surge de uma forma muito banal. Wittgenstein dizia que a filosofia só se torna obscura e pomposa porque os filósofos é que usam uma linguagem complexa. Veja como soa bonito: “discussões acerca das questões metafísicas e ontológicas do mundo”. Antes de metafísica ter um sentido “metafísico”, essa palavra não passava de junção de duas outras: meta + física. Andronico de Rodes, ao organizar as obras de Aristóteles após sua morte, deparou-se com um conjunto de escritos sem nome. Então em sua organização, o posicionou depois do tratado de física. Aí é que entra o detalhe. Em grego, a palavra “meta” significa duas coisas: “depois” e “além”. A questão é: “depois” e “além” significam a mesma coisa? Não! A palavra depois dá uma conotação de posição no espaço – tipo, a segunda-feira vêm depois do domingo – numa seqüência. Já a palavra “além” nos dá um sentido de superação, de ir mais longe – tipo, esse livro foi além das minhas expectativas. Veja como de uma língua para outra as palavras adquirem significações diferentes. Com o passar do tempo, “Metafísica” passou a significar a área do conhecimento filosófico que vai além do mundo físico, do mundo material – das coisas que podemos tocar.
Estava eu certo dia no ponto de ônibus em frente a um açougue. Atento como sempre, fiquei reparando nas placas do estabelecimento e parei numa placa anunciando o preço do “contra-filé”. Aí eu pensei:
“Se sou contra tudo – então isso significa que não posso comer contra-filé – pois logo sou contra filés?”
Isso é um paradoxo. Ou dependendo do ponto de vista pode ser uma idiotice também. Veja. Analisando de forma rápida você pode considerar essa questão válida. Mas se parar para pensar e usar a filosofia da linguagem irá perceber que há um erro aí – se for ao oftalmologista irá perceber que há erro em tudo, inclusive em seu corpo. Assim como a palavra “meta”, a palavra “contra” possui diversos significados. Essa “contra” de “contra-filé” quer dizer o seguinte: em bovinos, na parte traseira, encontra-se o filé em seus diversos tipos (mignon, capa de e de costela) – todos são filés. Do outro lado – ou seja na direção oposta, encontra-se o contra-filé (nesse caso o contra significa em direção oposta). Esse contra não é de “contestação”, de “negação”, sim de direção oposta. Essa questão está errada. Agora se você não gosta de filés (em seus vários tipos acima citados) por seus motivos e alguém lhe perguntar: o que você têm contra o filé? – e você expuser seus motivos, aí sim você será contra o filé e isso em nada tem haver com o contra-filé que caso não tivesse sido inventado por um filósofo poderia poupar-nos dessa confusão caso se chamasse simplesmente “parte oposta ao filé”. Bem mais simples né?
Outro paradoxo.
Se você quer acordar às 7h da manhã e para isso você programa o seu despertador para tocar às 7h da manhã e você acorda sozinho às 7h da manhã – sua programação deu certo ou errado?
Então! Eu acho que sua programação deu certo sim, embora você não tenha precisado do despertador. (Agradeça a sua ansiedade que foi quem te acordou). “Sua” programação deu certo porque você atingiu sua finalidade – Aristóteles iria dizer que você atingiu seu telos – que era acordar as 7h da manhã. A programação que você fez no despertador pode não ter dado certo, mas a sua programação (finalidade ou telos) deu. Afinal o que você queria – acordar às 7h da manhã ou se acordado às 7h da manhã pelo despertador? Claro que acordar às 7h da manhã independentemente de como. Mas se o sujeito aí tivesse sido acordado pelo despertador? Então sua programação teria dado certo e a programação que você fez no despertador também. Bom, acho que deu pra entender né?
Olha como a linguagem pode ser realmente escorregadia – e isso independe se quem disse isso foi Wittgenstein ou um bêbado qualquer.
Um homem diz no metrô a seguinte frase: ei, você passou sua língua na minha boca! Uma velha se espanta e exclama: que pouca vergonha! O home retruca de volta para a velha: mas a senhora não entendeu e não deixou eu explicar direito. Eu ia dizer que ele passou a língua do tênis dele na boca da minha calça e sujou, só isso. A velha disse: e porque você não disse isso logo? O homem: é porque eu estou economizando palavras!
Mas às vezes é até bom economizar nas palavras – porque ao invés de você dizer que “algo não está dentro dos padrões aceitáveis por sua natureza distinta” você não diz logo que algo está uma “merda” – você economizaria tempo e palavras e seria muito mais facilmente compreendido. Tá vendo, Wittgenstein tinha razão: o problema do mundo está na comunicação e na linguagem. Mas quem disse que foi ele quem disse isso? Há – vá a merda!
Falta de Interpretação das pessoas, é o que mais ocorre..
Concordo com o comentário acima, mas também acho que isso de economizar palavras, em alguns casos, gera a famosa "falta de interpretação", a qual realmente é "interpretação ou 'impressão' errada".