CAPPUCCINO

Humor, Esporte, Informação e Novidades

Algemas de Algemiro

Postado por Tawane 15 de janeiro de 2012

Por Tawane Almeida




Há duas coisas imutáveis sobre o tempo: é impossível prever suas traquinagens e inútil, sem dúvida, qualquer esforço gasto na tentativa de para-lo, pois ele não para, o que “para” algum dia é você. Leu isso numa crônica no jornal do povo, deu risada como se gozasse de uma vida infindável, tomou seu último gole de conhaque e saiu do botequim às pressas, cruzando a Avenida Aurora, sem notar a cândida lua cheia que brilhava bem acima dos prédios. Creio, caro leitor, que essa lastimável distração deve-se ao uso exagerado da rotina; uma substância necessária para a organização social, porém, quando em excesso, é perigosíssima. Esse era o mal que assolava Algemiro; beirava os trinta e quatro anos, era solteiro por destino e morava com a mãe, Dona Glória. Solícita como requer o cargo, era ela quem acordava o filho às oito horas da manhã de todos os dias: “Acorda Algemiro!” gritava. Tão logo ouvia seu grito que Algemiro pulava da cama desnorteado sempre com a convicção de que está atrasado para o trabalho. Seu ofício desde moço era no ramo das finanças, o que ele não fazia por amor, mas por sustento. A labuta no escritório era de segunda a sexta, lá se confinava o dia inteiro no árduo trabalho contábil, alimentava a economia, mas a economia não o alimentava – basicamente. O único tempo ócio que lhe restava para recompor o espírito eram os finais de semana, os quais fazia questão de perder com trivialidades da vida moderna: sofá, televisão e botequim. Mas voltemos leitor, ao inicio da história; àquela noite de lua cheia. Chegando em casa, Algemiro tomou banho e desmaiou na cama de modo que ali morresse exausto por mais um dia tedioso, como de costume. Porém de manhã ele acordou sentindo-se pior do que quando deitara. Um cansaço inexplicável! Seu corpo pesava como se houvesse comido um boi, sentia dores de cãibra e resmungava: “Ó céus! Pareço um velho moribundo!” O relógio já avançava às oito horas e a essa altura era possível ouvir Dona Glória gritando: “Acorda, acorda Algemiro!” Preocupado com o mal estar que poderia confiná-lo na cama o dia inteiro, ele virou-se com muita dificuldade para pegar uma aspirina no criado-mudo, mas ao visualizar o espelho, repugnou-se com a imagem monstruosa do rosto envelhecido. Uns míseros cinquenta anos mais velho. Ficou gélido, pálido e sem reação à vista da metamorfose. Parecia sonho. A única saída era agarrar-se na esperança de que tudo não passasse de um sonho do qual ele iria despertar a qualquer momento. Mas não adiantava, a imagem não ia embora e as dores continuavam. Seguiu-se assim por um breve instante, oscilando a razão entre o sonho e a vigília até que, com muita dificuldade, os braços vacilantes se ergueram permitindo que os dedos tocassem a pele do rosto e então seu tato revelou aquilo que a visão custava acreditar: “Deus! Estou velho!”
(E Dona Glória gritava: “Já é tarde Algemiro!”)

1 Responses to Algemas de Algemiro

  1. Texto rico em palavras, em reflexões..
    Parabéns Taw, e que se desvende um outro grande talento ;)

     

Postar um comentário

Seguidores

Twitter