por Marlon Marques.
Fui perguntado hoje por uma aluna sobre o porquê as
pessoas morrem. Nem demorei e disse que se tratava de uma questão complexa e
difícil, mas esbocei uma reposta – uma resposta possível. As pessoas morrem de
diversas formas: de causas naturais (velhice), de doenças (independente da
idade) ou de acidente – desconsidero aqui o suicídio. A morte por velhice é
normal. Nosso corpo segue um ciclo – nascimento, juventude, amadurecimento e
morte. As células envelhecem, o corpo se transforma, se enfraquece, os órgãos
falem (falência múltipla) – e isso provoca a morte. Em condições normais, todos
passaremos por isso, exceto se contrairmos uma doença ou sofrermos um acidente.
Mas isso só responde parcialmente a pergunta. Vamos ampliá-la. Porque a morte é
algo inaceitável pra nós? É normal morrer de velhice, mas ninguém aceita mesmo
assim. Porém, se analisarmos bem, as pessoas se acostumam e vivem normalmente
após a morte de um ente querido com idade avançada. E por quê? Antes, é necessário
dar uma pequena volta. Aristóteles disse que o telos (a finalidade) do homem é
a felicidade. Por felicidade, entendemos aqui (e para esse contexto), como um
estado de bem-estar duradouro alternado por momentos ruins – já que não se pode
ser feliz o tempo todo. Dentro da felicidade encontramos alguns itens:
carreira, dinheiro, bens, realizações, amor, amizades, família, etc. A função
da carreira é trazer a sensação de utilidade. Sou útil para a sociedade, pois
estudei e me tornei bom em alguma coisa. A carreira traz como conseqüência o
dinheiro. A função do dinheiro é conquistar coisas que possuem um preço – não
valor, nisso incluem-se os bens. A função dos bens é mostrar seu sucesso, é a
materialização e a evidência do dinheiro que possui, e conseqüência direta da
carreira bem-sucedida. A função das realizações é evidenciar o aproveitamento
da vida. Aproveitar a vida é conhecer lugares novos, ajudar pessoas, construir
coisas, deixar sua marca na história, etc. A função do amor é a plenitude. A
plenitude de se completar em outra pessoa e saber que outra pessoa se completa
em você. A função da amizade é a alegria, a divisão das coisas, a retribuição e
a gratidão. A função da família é a permanência no tempo, a dedicação, a
entrega, a união, etc.
Algumas pessoas
defendem a tese de que não há tempo pra ser feliz, ou seja, se pode ser feliz
em qualquer tempo da vida. Entretanto é razoável concordar que existe um marco
temporal e etário em nossa vida em que construímos as bases de nossa felicidade
– de acordo com os itens citados. Esse período vai dos 18 aos 38 anos
(hipótese). Esse é o momento da vida em que temos mais vigor, condições e
disposição para alcançarmos esses itens. Veja – com 15 anos não se pode
trabalhar. Com 19 anos, ainda não se completou a formação. Com 21 anos ainda
não deu tempo de adquirir o dinheiro suficiente para se conquistar os bens. Com
25 anos ainda não deu tempo para adquirir a bagagem de vida para se constituir uma
família. Entretanto, usando John Locke – o homem tem direitos naturais (dados
por Deus) e um deles é o direito a vida – e depois a constituição americana
acrescentou o direito a procura da felicidade. Todos nós temos o direito de
procurar a felicidade – e sem dúvida, o direito a vida. As pessoas não aceitam
a morte em hipótese nenhuma, mas sobretudo, é difícil de aceitar quando ela
ocorre entre os 18 e os 38 anos. Como aceitar a morte no auge da vida? Como
aceitar que alguém foi privado de concluir sua busca da felicidade? Julga-se
que se alguém não conseguiu completar esse ciclo, não foi totalmente feliz. É
comum se perguntar por que aquela pessoa. Mas que diferença faria se fosse
outra pessoa da mesma idade? É comum ouvirmos: “nossa, se foi e era tão cheio
de vida” – “tantos planos pela frente”, etc. A morte na velhice torna-se mais
natural ainda diante desse quadro, pois supõe-se que alguém com 90 anos viveu
muito e se não foi feliz, ao menos teve a chance de sê-lo. Mas quem somos nós
para questionarmos os desígnios de Deus. Mas, será mesmo que quando uma morte
ocorre é da vontade de Deus? Será que tudo o que acontece no mundo – inclusive
o mal e todas as desgraças tem origem em Deus? Santo Tomás de Aquino disse que
“Deus não interfere diretamente nos fatos da criação”. Há quem defenda que nada
acontece sem o consentimento de Deus. Outros isentam Deus de qualquer
responsabilidade sobre as coisas exclusivamente humanas – aliás, onde está o
livre-arbítrio? Finalizo esse texto – porém não o concluo, dizendo que a morte
é natural quando atingimos uma certa idade, mas a fatalidade – ou seja, quando
ocorrem acidentes ou mortes inesperadas (sim, há mortes esperadas) – é algo a
qual estamos sujeitos. O entrelaçamento das ações humanas e suas interações,
produzem conseqüências e efeitos sobre todos – onde uma ação minha pode
interferir na vida do outro. Portanto, temos a liberdade de escolher nossos
caminhos, e o caminho da morte é uma conseqüência natural das nossas escolhas –
a dizer o livre-arbítrio, já que se não o tivéssemos, acusaríamos Deus de
arbitrariedade, mudando a seu bel prazer nossas ações. Porque morremos? Porque
a morte faz parte da vida e a fatalidade nos cerca a todo instante por uma
escolha que é só nossa.
“Nisto erramos:
em ver a morte à nossa frente, como um acontecimento futuro, enquanto grande
parte dela já ficou para trás. Cada hora do nosso passado pertence à morte”.
Sêneca.
Gostei da matéria li ela por inteiro, e gostaria agora de fazer minha critica sobre a mesma,em primeiro instante concordo com boa parte do que você falou a única coisa que realmente fiquei incomodado foi quando citou Deus. Logo que nem todos acreditam na existência de uma divindade por isso logo deveria exclui-lo ou também abordar outras crenças e etc. Fora essa parte achei ela bem interessante.
Atenciosamente, Pudimsovietico
Grande Marlon! Concordo com seu texto. A morte, em certa idade, é natural, porém estamos sujeitos a fatalidades que podem ceifar qualquer possibilidade. Mas, se me permite a analogia, a vida é como um texto redigido ao longo do tempo e que um dia deve ser concluído; mesmo o mais belo dos textos. E ainda assim, a morte é a conclusão onde ninguém quer chegar – ou quase ninguém.
Abraços!